quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Adaptação literária e o espectador de cinema em O Menino do Pijama Listrado

É um grande erro desprezar-se o senso crítico do espectador de cinema. Porque, mesmo que não seja cinéfilo ou desconheça a linguagem cinematográfica, ele sabe muito bem quando um filme vai bem ou não.

O Menino do Pijama Listrado (The Boy in the Striped Pajamas), 2008, uma adaptação para o cinema do livro homônimo de John Boyne, que também assina o roteiro juntamente com o diretor Mark Herman, pode ser citado como exemplo. No início da exibição, ouvi alguém sussurrar com incredulidade atrás de minha poltrona algo que também havia me impactado, como uma ducha de água fria, logo no primeiro diálogo: “O filme é falado em inglês?”. A frustração da platéia era compreensível. O idioma alemão traria mais realismo ao filme. Juntamente com os cenários, figurinos e outros elementos, seria uma importante ponte para a verossimilhança, princípio basilar da linguagem do cinema e fundamental para a identificação das platéias.

Porém, essa não foi a única decepção. Uma breve análise revela personagens vazios e inverossímeis. A mãe, apesar de alemã e esposa de um alto integrante dos comandos nazistas, não somente chora pelos judeus como também se coloca contra o marido, entrando em depressão ao descobrir que ele é chefe de um campo de extermínio. Ele, o pai, é um personagem igualmente mal construído, fraco em demasia diante das relações familiares, mas não só ali. A relação com a mulher é extremamente frágil, sem a profundidade que o roteiro poderia ter explorado. Bruno, o filho, personagem central da trama, é o único entre os aqui citados, que apresenta uma construção aprofundada e progressiva. Ele tem um claro objetivo: ter um amigo naquele lugar para onde a família se muda. Porém, sua ingenuidade frente à questão dos judeus também soa duvidosa ao público, dado o contexto em que estava inserido. O menino acredita que o local que vê de sua janela na nova morada é uma fazenda que abriga fazendeiros de pijama listrado. Ali, encontra, sem que a família saiba, o pequeno Shmuel, um menino judeu com quem estabelece amizade entre as cercas eletrificadas do campo.

É interessante voltar a um ponto aqui exposto: o filme analisado é uma adaptação literária. No livro, tais licenças são aceitas, quando bem desenvolvidas, por fazerem parte da linguagem literária. Em cinema, além da verossimilhança pura, o princípio primeiro da identificação com o espectador, existe ainda a questão da verossimilhança intrínseca à própria linguagem de cinema. Por isso, entre outros, nos parece tão natural Indiana Jones correr de uma pedra imensa muito próxima a ele, sair intacto e ainda com seu eterno chapéu enterrado à cabeça. No caso de O Menino do Pijama Listrado, esperava-se mais intensidade de uma família alemã pertencente ao partido nazista e cujo patriarca é chefe de um campo de extermínio. Ou seja, literatura e cinema são duas artes distintas. O que bem funciona em uma delas, pode não funcionar na outra.

Porque o espectador aguarda o mergulho na tela, quer sentir-se inserido na história como se ela fora real, deseja estar em outros lugares, desligar-se de si ou reconectar-se por meio do lúdico e da impressão de realidade que só o cinema é capaz de fazê-lo.

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