Mostrando postagens com marcador teatro brasileiro. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador teatro brasileiro. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 28 de abril de 2015

Abu, rei: adeus ao gênio provocador Antonio Abujamra

   Antonio Abujamra e eu, durante gravação de seu personagem, o poeta, para peça de minha autoria, 
         'Glauco Mattoso, O Poeta da Crueldade' (RJ, 2003) (*)


De 3 a 5 de outubro de 2001, eu cobri o I Encontro Internacional de Televisão promovido pelo Instituto de Estudos de Televisão (IETV), no Hotel Glória, na cidade do Rio de Janeiro. 


A participação que mais me empolgou foi a de Antonio Abujamra, que encerrou o evento a seu modo, sempre questionador, pensante, revolucionário.

Abaixo, reproduzo meus comentários, na época, sobre sua fala, homenagem que o Blog Cinéma lhe presta neste dia triste, de um vazio imenso na dramaturgia brasileira. 

Na certeza de que não haverá outro provocador como ele... adeus, Abu...


"Eu não sou um provocador. Eu sou provocado. Eu saio nas ruas do meu país e eu sou provocado".

"Um amigo é uma espécie de eternidade." (Göethe). 
Com essa frase serena começa a devastadora participação do diretor e ator Abujamra. Último a falar no evento, como uma catástrofe natural, veio para destruir conceitos, para nos contaminar com sua incoerência, para nos emocionar com a profundidade de seus devaneios sobre a realidade de nosso país. E quando acabou sua participação, fiquei pensando sobre o quanto fazem falta os pensadores, os questionadores, os loucos, os gênios.

Com toda a solenidade do mundo, disse ainda no início de sua fala, como que anunciando o que estava por vir: "Eu vou tentar ser incoerente".

Sua definição de TV: "A TV é rascunho e eu quero rascunhar sempre."

Sobre o tema da mesa, A TV é Coisa Séria?, ele questionou se o Brasil é coisa séria, se o Congresso é coisa séria, se aquele evento era coisa séria. Disse que não queria falar da seriedade das coisas, que não queria ser sério. Então, contou alguns casos da TV ao vivo, bastante divertidos, mostrando o quanto "TV é coisa séria."

Mas, sua falta de seriedade não durou muito tempo. Logo, já estava narrando a sua visão crua de Brasil e discordando dos que o chamam de provocador: "Eu não sou provocador, eu sou provocado. Eu saio nas ruas do meu país e sou provocado." Disse, e pude perceber toda a dor de suas palavras, que ao ver as pessoas abandonadas nas ruas, "eu sinto uma espécie de qualquer coisa não vai bem." Ele não acredita que a saúde e a educação, apesar de todos quererem provar a ele o contrário, estejam melhorando no país.

"Nós, artistas, queremos é a imaginação".

Abujamra deixou claro que gostaria que a TV fosse a arte da democracia. "Ela não é a arte da democracia." Relatou, então, que foi expulso de todas as TV's onde trabalhou.

Sobre o papel do artista na TV, afirmou: "A imagem escraviza. A TV não pode ser uma bala só no revólver pro' artista. O Collor tentou uma bala só. A TV machuca." Abujamra alertou para o fato de que não viu ainda alguém que tenha feito televisão a vida toda não ter pago alguma coisa por isso. "É preciso não trocar a vida pela televisão."

Em relação ao distanciamento entre a TV e a vida real, declarou: "A TV dá a impressão que não compreende os problemas que ela escolhe. Ela faz a estética a partir do sofrimento das outras pessoas."

Repetiu inúmeras vezes, como para que decorássemos: "A TV tem que ser descoberta. Ela ainda é virgem, ninguém sabe direito o que fazer com ela."

Abujamra disse não gostar quando a TV determina opiniões, diz verdades absolutas. Para ele, ao contrário, "o artista tem que idolatrar a dúvida".

Sobre planejamento em cultura, "temos que ter cuidado com aquilo que se faz. Tem que atuar hoje e não projetar para um ano ou daqui a 5 anos."

Na relação entre televisão e teatro, para ele, o teatro é a grande escola: "O teatro é a fornalha do ator. É lá que ele vai entender o gesto que ele faz, o gestual, o gesto social. A TV é execução: não há tempo."

Por fim, relembrou um pouco o passado do teatro, a censura e os grandes nomes. "Nunca mais se viu uma grande criação no teatro e na TV brasileira."

Encerrando, em um vídeo de 8 minutos, Abujamra dispara incessantemente, insanamente, sensatamente contra a TV e o meio artístico. 

Quando terminou o filme e se acenderam as luzes, nossos conceitos estavam aos pedaços. E não havia mais tempo para recompô-los. O evento havia terminado. E ainda bem que terminou assim, da forma mais criativa e crítica possível, com toda a crueza, com toda a poesia e com toda a louca beleza de Abujamra.

(Denise Duarte, I Encontro Internacional de Televisão, 05 de outubro de 2001)

(*)  Foto acervo pessoal de Denise Duarte

Zona de Interesse e Filho de Saul - quando o background diz muito

  O que torna um filme inesquecível? Essa poderia ser uma daquelas perguntas cuja resposta vale 1 milhão de dólares.  Uma diretora de cinema...