quinta-feira, janeiro 28, 2010

Dersu Uzala e Eu

Muito se tem dito nas últimas semanas sobre dois filmes: Lula, o Filho do Brasil, de Fábio Barreto (2009), e Avatar, de James Cameron (2009). Não posso falar sobre eles, até porque não os assisti. E não os assistirei. Em verdade, não fazem parte do cinema que me interessa.

No intuito de desfrutar de um bom filme e ser fiel às minhas convicções cinematográficas, revi esses dias Dersu Uzala, de Akira Kurosawa (1975). Tive o privilégio de vê-lo na sala de cinema da embaixada da então União Soviética, em Brasília, em alguma data entre 1982 e 1984, não me recordo ao certo, cidade onde eu morava na época.
Nos anos 80, era comum que as embaixadas situadas na capital federal promovessem mostras gratuitas de filmes (não sei se isso ainda acontece) e foi assim que fui me apaixonando por cinema. Eu era assídua frequentadora daquelas mostras e raramente perdíamos alguma, eu e meus amigos da universidade. A sala Le Corbusier, na embaixada da França, exibia filmes sempre aos domingos. Na embaixada alemã vi várias mostras de filmes alemães, onde pude conhecer a filmografia de Fassbinder, Herzog e outros. Aos poucos, percebendo o sucesso de público que eram tais mostras, o circuito de filmes de embaixadas foi crescendo com a adesão de mais espaços como a embaixada do Japão, da Coréia, da antiga Tchecoslováquia, da Polônia, entre tantas outras.
Em meio àquela efervescência cinematográfica que vivia Brasília e que emergia justamente com o fim do período da ditadura militar, a embaixada da União Soviética abriu-se pela primeira vez à visitação pública. E o fez através de uma exibição de cinema. Era um período em que ainda vivíamos os resquícios da guerra fria e havia uma tensão no ar quando entramos na embaixada naquela noite da exibição. Éramos observados o tempo todo por homens dispostos em vários locais, nos pisos superiores, principalmente.

Para longe de tudo isso, minha atenção recaía sobre o local em si e sobre a magia que cercava aquele momento. Afinal, eu veria um filme de Kurosawa, proibido por aqui e, portanto, ainda inédito no país. Proibido pelo simples fato de tratar-se de uma co-produção entre Japão e União Soviética e por ser ambientado nos campos da Sibéria, ou seja, em cenário russo. Por isso, o filme, que passava ao largo de qualquer discussão política, fora, mesmo assim, proibido. Mesmo se não o fosse, eu pensava, era Kurosawa! Minha alma sorria!
As instalações da embaixada eram, por si só, uma atração a parte. Com aspecto impecável, finamente decorada e iluminada, tratada como que para uma festa suntuosa, a embaixada abria-se à visitação em grande estilo e com intenção de impressionar. Entre tantas coisas preciosas, como grandes vasos e tapetes, os imensos lustres me chamaram atenção, principalmente o do hall central, e dele nunca me esqueci. Assim como do calendário para o ano seguinte distribuído a todos os presentes, com posteres lindíssimos de diversas regiões da União Soviética. Meu pai me dissera posteriormente que aquilo era propaganda comunista.
Para mim, ao contrário, tratava-se de uma jóia rara, a me lembrar para sempre de Dersu Uzala, tanto do personagem tão cativante em seu convívio com a natureza e com os homens, em contraste com sua inadequação à vida urbana, quanto do filme em si, totalmente livre de qualquer postura ideológica, alheio à polarização do mundo e à estreiteza de mentes incapazes de entender o que seja uma verdadeira expressão artística.
Mais de 20 anos depois, revendo Dersu Uzala, fiquei pensando ser mesmo uma pena que no Brasil nosso cinema, em geral, não consiga construir personagens tão universais quanto Dersu, aquele singelo homem da Sibéria que tem tanto de todos nós, seja em que lugar do mundo estejamos. Essa grande lacuna do cinema brasileiro se daria por uma questão de produção? De distribuição? De vocação? Seja qual for a resposta, é preciso admitir que são muitas as falhas que distanciam nosso cinema de uma linguagem cinematográfica universal.

3 comentários:

  1. Gosto muito de relatos e não pudeixar de comentar sobre Dersu Uzala e Eu: http://www.novocinema.blogspot.com/

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  2. Esse é um filme no qual você está ali, junto com o personagem. Não há como sentir isso com personagens rasos e esteriotipados. Dersu é cativante.
    Denise, saudades de vc e das suas aulas!
    Bjs!

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  3. Paulinha, saudade de voce, dos bons alunos que fazem o ato de dar aulas ser uma realização. beijos.

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Um recomeço

                                                                  Photo by Denise Duarte Após 9 anos sem postar em meu blog, estou de volta...