Anotações de sua palestra no Rio de Janeiro, em 08/08/2009
Por Denise Duarte
Remexendo recentemente em meus antigos cadernos, descubro um pequeno tesouro: algumas anotações de uma palestra sobre roteiro para cinema feita por Thomas Vinterberg no Rio de Janeiro, em 08 de agosto de 2009. Infelizmente, quinze anos depois, não me recordo do nome da palestra e, portanto, o título acima foi criação minha. Também não tenho lembrança do local do evento. E isso é frustrante para mim e, ao mesmo tempo, um lembrete para próximas anotações. Sei que ocorrera no Centro do Rio, talvez na Escola de Cinema Darcy Ribeiro ou no Centro Cultural dos Correios. Mas eu me recordo de dois detalhes com precisão, já que ambos foram observados pelo próprio palestrante: era um sábado pela manhã e o auditório estava quase vazio. Vinterberg disse, com certa ironia, que certamente, no Rio, as pessoas deveriam estar na praia ou fazendo algo mais interessante do que assistindo sua fala. Era mesmo incompreensível o grande número de cadeiras vazias e lembro-me do quanto isso me causara constrangimento, uma “vergonha alheia”, nos termos de hoje. Afinal, estávamos diante da oportunidade única de ouvir um dos fundadores do movimento dinamarquês Dogma 95, o último e dos mais importantes da história do cinema.
O Dogma 95 foi anunciado por Lars Von Trier e por Thomas Vinterberg no ano de 1995. Ambos ditaram o Manifesto Dogma 95 e o Voto de Castidade, onde estabeleceram regras a serem seguidas pelos cineastas que participavam ou viriam a se juntar ao movimento. Em suma, tais normas inspiravam-se na Nouvelle Vague e no Neorrealismo, defendendo um cinema livre de ditames de estúdios e de efeitos especiais, em prol de uma criação artística natural. Festa de Família (1998), de Vinterberg, é tida como a obra fundadora do Dogma 95.
Desde então o cineasta acumula, entre muitos outros, prêmios em Cannes (Festa de Família, 1998; A Caça, 2012), além do César e do Bafta (ambos por Druk, 2020).
A seguir estão alguns dos pensamentos do roteirista e diretor dinamarquês Thomas Vinterberg acerca do roteiro de cinema, os quais anotei naquele sábado de agosto de 2009 e que permanecem tão atuais.
1) São leis (não são regras) para o roteiro de filme de ação dramática
a) O forasteiro – Um estranho chega numa cidade: quase todos os filmes tratam do forasteiro e dua apresentação ao mundo.
b) O passado – Qualquer drama é sobre o passado. Acontece no momento para revelar o passado. Isso leva a ação dramática para frente.
c) A espera – É preciso esperar algo acontecer, buscar o equilíbrio entre a espera e a expectativa. O bom filme é aquele onde isso acontece.
2) Cenas de preparação
a) Cuidados na apresentação de personagens:
Qualquer ação dramática envolve perdas. Elas ameaçam o personagem. Perdas importantes estão relacionadas à vida, ao amor, à saúde, ao dinheiro. O tamanho da perda estabelece a fronteira entre a tragédia e a comedia.
b) Sobre o início do filme:
Qual o tempo da ação dramática? Sua base tem que ser real.
O roteirista nunca deve esconder do público algo importante sobre a história e o personagem no presente. Pode-se esconder algo relativo ao passado, mas não sobre o tempo presente.
c) Diálogo:
Thomas Vinterberg enfatiza a simplicidade na construção do diálogo. Usa o filme Taxi Driver (1976), de Martin Scorsese, como exemplo dessa simplicidade e naturalidade narrativa aliada ao uso dramático do som e da música. Na cena inicial do filme o diálogo simples mostra a motivação do personagem central: está em busca de emprego e começa a trabalhar como motorista de táxi em Nova Iorque. Sabe-se aí, também, que ele foi fuzileiro no passado, detalhe importante para o desenrolar da história.
Portanto, no início de Taxi Driver, assim como em Festa de Família, estão dispostos os três pontos salientados por Thomas Vinterberg: o forasteiro, a espera e o passado.
No longa de Scorsese o protagonista vê o mundo de dentro do táxi. Logo, o roteiro tem que ser capaz de construir diálogos capazes de mostrar ao público o que está acontecendo. Nesse sentido, Vinterberg enfatiza que quase todo diálogo é uma espécie de entrevista. E que, em sendo assim, seu formato deve ser o mesmo de uma entrevista. Porém, alerta ele que, enquanto a técnica é óbvia, o diálogo, por sua vez, não deve ser óbvio.
Roteiro é detalhe. Consequentemente pequenos detalhes devem fazer parte do diálogo de apresentação dos personagens. Assim como a atenção ao fato de que os nomes dos personagens devem ser citados no diálogo, não somente antes da caixa de diálogo do roteiro.
3) Voz over
Thomas Vinterberg admira essa técnica, considerando-a uma forma interessante de colocar uma história dentro da história.
Exemplifica com a sequência do cavalo em The Godfather (1972), de Francis Ford Coppola. Ali, mostra-se uma história que se remete a outra anterior. Vinterberg analisa que essa construção é feita com uma naturalidade capaz de dar a conhecer ao público as regras da narrativa.
4) Naturalidade na escrita
Não há improvisação nos filmes de Thomas Vinterberg. Para ele, o ideal é escrever de forma tão natural que os atores acreditem não ser preciso improvisar.
Em suas palavras, deve-se “construir uma história natural – essa é a procura”, de modo a melhor apresentar o personagem e a história. “Não sejam criativos. As cenas devem ser naturais”.
5) O cinema norte-americano
Vinterberg aprecia o cinema dos Estados Unidos e imputa a qualidade de certas produções do país ao estilo de vida bem-sucedido que a sociedade norte-americana ainda desfruta. Citou como exemplo de roteiros bem elaborados aqueles escritos para esse cinema, não somente os de Táxi Driver e The Godfather, como também o De Olhos Bem Fechados (1999), de Stanley Kubrick. Fez ainda menção, em sua explanação, ao roteiro de Dogville (2003), escrito e dirigido por Lars Von Trier.
Em suma, o pensamento de Thomas Vinterberg sobre o roteiro de cinema:
– O forasteiro, o passado e a espera não são regras – são leis.
– Diálogo é entrevista.
– Construa uma história natural – não sejam criativos: as cenas devem ser naturais.
– Roteiro é detalhe.