quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Zona de Interesse e Filho de Saul - quando o background diz muito


 

O que torna um filme inesquecível?

Essa poderia ser uma daquelas respostas de 1 milhão de dólares. 

Uma diretora de cinema perguntou-me certa vez por que Cidadão Kane é tido como o grande clássico do cinema. Para quem estuda essa arte, a resposta alcança múltiplas razões.

Sob o ponto de vista do mestre do cinema francês, François Truffaut, o cinema é "o prazer dos olhos". Uma definição que pode traduzir, entre outros, a sensação de bem-estar que levamos conosco após deixarmos a sala de cinema, aquela certeza de termos visto um bom filme, do qual nos lembraremos por muitos anos, não raro pela vida toda.

Mas e quando a obra não nos traz esse enlevo? E quando estamos diante de algo que o sabemos grandioso, marcante, impactante, mas que nos direciona a outros sentimentos, como a reflexão histórica e filosoficamente crua sobre a maldade humana?

Esse é o caso de filmes como o húngaro Filho de Saul (Saul Fia, 2015) e o britânico Zona de Interesse (The Zone of Interest, 2024). Quando assisti a este último reportei-me de imediato ao primeiro. Não somente pela temática semelhante, já que ambos são ambientados no período da Segunda Guerra Mundial e abordam o holocausto.

O ponto que me chamou atenção em ambos os filmes foi o uso do background. Tanto o diretor e roteirista húngaro László Nemes, em Filho de Saul, quanto o britânico Jonathan Glazer, em Zona de Interesse, constroem, de modos distintos, uma narrativa onde o que acontece ao fundo é mais impactante do que as cenas em primeiro plano: um contraste cru com a impiedosa frieza dos algozes.

Se décadas antes, Noite e Neblina (Nuit et brouillard, 1956), de Alain Resnais, e A lista de Schindler (Schindler's List, 1993), de Steven Spielberg, trataram do tema do holocausto de modo ímpar, sendo o filme de Resnais considerado ainda uma pequena obra-prima, Filho de Saul, que nos coloca dentro da cena, e Zona de Interesse trazem uma nova forma de retratar o horror histórico, retrato esse tão crucial no impensável momento do ressurgimento do antissemitismo no mundo.











terça-feira, 28 de abril de 2015

Abu, rei: adeus ao gênio provocador Antonio Abujamra

   Antonio Abujamra e eu, durante gravação de seu personagem, o poeta, para peça de minha autoria, 
         'Glauco Mattoso, O Poeta da Crueldade' (RJ, 2003) (*)


De 3 a 5 de outubro de 2001, eu cobri o I Encontro Internacional de Televisão promovido pelo Instituto de Estudos de Televisão (IETV), no Hotel Glória, na cidade do Rio de Janeiro. 


A participação que mais me empolgou foi a de Antonio Abujamra, que encerrou o evento a seu modo, sempre questionador, pensante, revolucionário.

Abaixo, reproduzo meus comentários, na época, sobre sua fala, homenagem que o Blog Cinéma lhe presta neste dia triste, de um vazio imenso na dramaturgia brasileira. 

Na certeza de que não haverá outro provocador como ele... adeus, Abu...


"Eu não sou um provocador. Eu sou provocado. Eu saio nas ruas do meu país e eu sou provocado".

"Um amigo é uma espécie de eternidade." (Göethe). 
Com essa frase serena começa a devastadora participação do diretor e ator Abujamra. Último a falar no evento, como uma catástrofe natural, veio para destruir conceitos, para nos contaminar com sua incoerência, para nos emocionar com a profundidade de seus devaneios sobre a realidade de nosso país. E quando acabou sua participação, fiquei pensando sobre o quanto fazem falta os pensadores, os questionadores, os loucos, os gênios.

Com toda a solenidade do mundo, disse ainda no início de sua fala, como que anunciando o que estava por vir: "Eu vou tentar ser incoerente".

Sua definição de TV: "A TV é rascunho e eu quero rascunhar sempre."

Sobre o tema da mesa, A TV é Coisa Séria?, ele questionou se o Brasil é coisa séria, se o Congresso é coisa séria, se aquele evento era coisa séria. Disse que não queria falar da seriedade das coisas, que não queria ser sério. Então, contou alguns casos da TV ao vivo, bastante divertidos, mostrando o quanto "TV é coisa séria."

Mas, sua falta de seriedade não durou muito tempo. Logo, já estava narrando a sua visão crua de Brasil e discordando dos que o chamam de provocador: "Eu não sou provocador, eu sou provocado. Eu saio nas ruas do meu país e sou provocado." Disse, e pude perceber toda a dor de suas palavras, que ao ver as pessoas abandonadas nas ruas, "eu sinto uma espécie de qualquer coisa não vai bem." Ele não acredita que a saúde e a educação, apesar de todos quererem provar a ele o contrário, estejam melhorando no país.

"Nós, artistas, queremos é a imaginação".

Abujamra deixou claro que gostaria que a TV fosse a arte da democracia. "Ela não é a arte da democracia." Relatou, então, que foi expulso de todas as TV's onde trabalhou.

Sobre o papel do artista na TV, afirmou: "A imagem escraviza. A TV não pode ser uma bala só no revólver pro' artista. O Collor tentou uma bala só. A TV machuca." Abujamra alertou para o fato de que não viu ainda alguém que tenha feito televisão a vida toda não ter pago alguma coisa por isso. "É preciso não trocar a vida pela televisão."

Em relação ao distanciamento entre a TV e a vida real, declarou: "A TV dá a impressão que não compreende os problemas que ela escolhe. Ela faz a estética a partir do sofrimento das outras pessoas."

Repetiu inúmeras vezes, como para que decorássemos: "A TV tem que ser descoberta. Ela ainda é virgem, ninguém sabe direito o que fazer com ela."

Abujamra disse não gostar quando a TV determina opiniões, diz verdades absolutas. Para ele, ao contrário, "o artista tem que idolatrar a dúvida".

Sobre planejamento em cultura, "temos que ter cuidado com aquilo que se faz. Tem que atuar hoje e não projetar para um ano ou daqui a 5 anos."

Na relação entre televisão e teatro, para ele, o teatro é a grande escola: "O teatro é a fornalha do ator. É lá que ele vai entender o gesto que ele faz, o gestual, o gesto social. A TV é execução: não há tempo."

Por fim, relembrou um pouco o passado do teatro, a censura e os grandes nomes. "Nunca mais se viu uma grande criação no teatro e na TV brasileira."

Encerrando, em um vídeo de 8 minutos, Abujamra dispara incessantemente, insanamente, sensatamente contra a TV e o meio artístico. 

Quando terminou o filme e se acenderam as luzes, nossos conceitos estavam aos pedaços. E não havia mais tempo para recompô-los. O evento havia terminado. E ainda bem que terminou assim, da forma mais criativa e crítica possível, com toda a crueza, com toda a poesia e com toda a louca beleza de Abujamra.

(Denise Duarte, I Encontro Internacional de Televisão, 05 de outubro de 2001)

(*)  Foto acervo pessoal de Denise Duarte

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi premiam fãs com um ano de cinema grátis

Divulgação BelémCom

O Cine Tela Brasil, projeto dos cineastas Laís Bodaznky e Luiz Bolognesi, chega a um milhão de espectadores em novembro. Para comemorar a marca histórica, os cineastas lançam, em parceira com a rede de cinemas Cinemark, uma promoção na página do Portal Tela Brasil, no Facebook (www.facebook.com/portaltelabrasil) e premiam fãs com um ano de cinema grátis, para que possam levar quem nunca entrou na sala escura.

Até o dia 15.11, os fãs da página do projeto estão convidados a responder à pergunta: “Quem você conhece que você gostaria de levar pela primeira vez ao cinema e por quê?”. Serão cinco vencedores. Cada um receberá 10 pares de ingressos para toda rede Cinemark, válidos por um ano, e ainda poderão participar da sessão de gala do Projeto, realizada no Parque do Ibirapuera, no dia 22 de novembro. 

Desde 2004, o Cine Tela Brasil, patrocinado pela CCR e pela Fundação Telefônica Vivo, percorre o país com sessões gratuitas de filmes nacionais. 


domingo, 17 de junho de 2012

Festival de Cinema Argentino traz o premiado e inédito Las Acacias

Em comemoração aos 15 anos da Rede Cinemark, a cadeia de cinemas promove com exclusividade o 1º Festival de Cinema Argentino, realizado em parceria com o Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales (INCAA) da Argentina. A programação reúne longas-metragens do cinema argentino contemporâneo – entre eles, o premiado ‘Las Acacias’, de Pablo Giorgelli, vencedor da Câmera de Ouro do Festival de Cannes de 2011. O evento chega ao Rio de Janeiro entre 22 e 28 de junho, no Shopping Downtown, exibindo dois filmes por dia. Em agosto, o festival passa por Florianópolis, entre os dias 10 e 16 e Porto Alegre, entre 24 e 30.


"Las Acacias" traduz muito bem a alma do cinema argentino, focado em personagens simples, comuns e num roteiro distante da cartilha hollywoodiana, sem viradas ou lições ao final. A vida é mostrada visualmente, tal qual transcorre no cotidiano, com naturalismo, sem exacerbações dramáticas. É muito mais a imagem, que qualquer outra coisa, o condutor da história. Rubén é um caminhoneiro argentino que viaja de Assunção, no Paraguai, a Buenos Aires, na Argentina, e que dá carona a Jacinta, uma paraguaia com sua filha de cinco meses. Esse é o mote de “Las Acacias”, uma cativante narrativa sobre caminhos que se cruzam aleatoriamente e nos fazem refletir sobre a simplicidade da vida. 



quarta-feira, 21 de março de 2012

morre Tonino Guerra e o roteiro de poesia

Morreu hoje Tonino Guerra, um dos maiores roteiristas de todos os tempos. Argumentista do vazio e do texto poético para cinema, foi autor, assim como o fora Suso D’Amico (morta em julho de 2010), de algumas das grandes obras-primas do cinema. Trabalhou, entre outros, com Federico Fellini e Andrei Tarkovski, Mas foi com Antonioni que construiu a trilogia da incomunicabilidade (A Aventura, 1960, A Noite, 1961, e O Eclipse, 1962). Tonino confeccionava o tempo no roteiro a sua maneira, dentro de uma estrutura aberta e poética na qual elaborava uma descrição de cenas corriqueiras, como nas imagens sem diálogos que fazem parte dos sete minutos finais de O Eclipse. Tempos mortos que entraram para a história do cinema e inspiraram e inspiram diretores ainda hoje, como Gus van Sant, Terrence Malick, Sofia Coppola e tantos outros. Um dia triste, um dia vazio, sem a presença de Tonino Guerra... fica seu legado, um vasto material para estudo e reflexão sobre o papel do roteiro/argumento no cinema...

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

La piel que habito

La piel que habito (2011), de Pedro Almodóvar, é um filme muito bem cuidado, seja no detalhamento dos objetos de cena, decoração e figurinos, quanto no roteiro, direção, fotografia, montagem. Contando com a colaboração de Jean Paul Gaultier, Almodóvar mistura gêneros como a ficção científica, o noir e o terror, naquele que pode ser considerado seu melhor filme. E o mais feminista. Aliando o pendor natural do diretor pela temática, em La piel que habito, soma-se a influência da artista plástica Louise Bourgeois, morta em maio de 2010, cujas obras pontuam a película. Acima de tudo, um filme para ser refletido sob muitos ângulos.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Esses Amores (Ces Amour Là)

Esses Amores (Ces Amour Là, 2010) é a homenagem de Claude Lelouch, em seu 51o. filme, ao cinema. Se tal intenção não estivesse expressa nos letreiros que precedem a exibição, certamente seria deduzido pelo espectador da primeira à última cena do filme. Se isso não bastasse, o diretor compõe uma narrativa dramática permeada por uma boa história, contada visualmente, leve e distante dos dramas hollywoodianos. Ótimo filme, na minha opinião.

Sinopse:
Ilva é uma mulher que se apaixona facilmente. Desatenta e despreocupada como seu amor pode ser visto pelos outros, ela se vê presa as conseqüencias de seus atos.
Primeiro na França dominada pelos Alemães, ela se apaixona por um nazista, o que indiretamente leva a morte de seu pai. Para muitos, sua relação era vista como uma colaboração com os nazistas.
Seu próximo amor traz mais tragédia. Durante a libertação da França em 44, quando ela é violentamente obrigada a responder sobre sua relação com a Alemanha, ela é salva por dois soldados americanos, um branco e um negro. Ela então se apaixona pelos dois, ao mesmo tempo. Sua incapacidade de escolha entre eles cria conflitos, tristezas e assassinato.

Zona de Interesse e Filho de Saul - quando o background diz muito

  O que torna um filme inesquecível? Essa poderia ser uma daquelas respostas de 1 milhão de dólares.  Uma diretora de cinema perguntou-me ce...