terça-feira, abril 21, 2009

O ECLIPSE - uma análise do tempo em roteiros cinematográficos

O Eclipse (L'eclisse, 1962) arremata a famosa trilogia da incomunicabilidade do diretor italiano Michelangelo Antonioni, precedido por A Aventura (L'avventura, 1960) e A Noite (La notte, 1961).

Estrelado por Monica Vitti e Alain Delon, o filme retrata dois momentos na vida afetiva da protagonista Vittoria, o término de um relacionamento e o início de outro, desta vez com Piero, corretor da Bolsa de Valores.

Seria uma história comum se não fosse o olhar fugidio de Antonioni a enfoques e soluções fáceis. Cada tomada adotada pelo diretor parece querer indicar que algo irá acontecer e isso mudará o rumo da estória. Porém, nada acontece nesse sentido. Estamos no terreno de Antonioni, onde não cabe a premissa: “é preciso levar a estória para frente”. Porque, em O Eclipse, quase tudo o que se aplica à narrativa dramática clássica não lhe cabe. Assim, não se observa a estrutura de roteiro em atos. Mesmo havendo um início e um fim, a estória não se desenvolve em plots, não há curva dramática, nem há algum evento que mude o rumo da estória. O encontro de Vittoria com amigas, onde ela se traveste de africana e dança, assim como o contato sempre frustrado com a mãe, que investe na Bolsa, o próprio fato do novo namorado ser corretor, assim como o desespero de pessoas que perderam milhões na bolsa italiana, nada faz a estória progredir. Em todas essas passagens, vemos o mesmo desencanto, um nada a nos levar a lugar algum que não seja à constatação de um profundo vazio de sentido. O desencontro entre Vittoria e Piero, não somente o desencontro final, mas o desencontro enquanto casal, a vivência de um relacionamento frio e distante da parte dela, que queria amar o amante com mais intensidade do que talvez fosse capaz, ou simplesmente não amá-lo, tudo isso vem também reforçar tal impressão.
Quanto ao personagem, no roteiro dramático clássico, aquele que entre outros aspectos segue a dramática rigorosa, nele o personagem necessita de uma motivação para agir. Em O Eclipse, qual a motivação da protagonista? O que justifica sua ação? Nesse filme, não cabem tais questionamentos. Em Vittoria, o relacionamento com Piero inicia-se movido pelo acaso, sem pretensões. Ela percebe que o vazio se aproxima, enquanto ele demora mais a dar-se conta disso. O relacionamento entre ambos traz em si a marca do descompromisso e o rompimento está intrínseco desde seu início. Não há futuro, não há esperança.

O tempo é o personagem central em O Eclipse. O tempo antonioniano, para quem conhece os filmes anteriores da trilogia, sabe-se que é outro, é um tempo estendido, vagaroso e detalhista em mostrar subjetividades. Esse exibicionismo intimista, feito assim em outro tempo narrativo, chega ao ápice nos sete minutos finais do filme, onde mergulhamos em um espaço narrativo vazio. É ali que o espectador vivencia em maior dimensão os sentimentos de perda e desilusão dos protagonistas. O encontro que entre os protagonistas não houve é ilustrado por imagens de um cotidiano que indica que, apesar disso, a vida prossegue: pessoas descem de ônibus, folhas de árvores balançam ao vento, uma mulher empurra um carrinho de bebê pela calçada... Os sete minutos finais do filme inspiraram e ainda hoje inspiram diretores de cinema pelo mundo todo. Na contemporaneidade, a comparação entre as tomadas finais de O Eclipse e as realizadas no início de Elefante (2003), de Gus Van Sant, é possível. Um olhar mais analítico detectará semelhanças insuspeitadas.


Qual o sentido de tais imagens? Qual o sentido da existência? Qual o sentido dos relacionamentos? Parece que Antonioni tenta responder a todos esses questionamentos com seus deslumbrantes planos sobre o mistério da vaziez humana.

Em tempos de cinema de efeitos, cortes e de ação cada vez mais veloz, filmes como O Eclipse nos lembram que o campo narrativo cinematográfico é múltiplo, sendo também possível assumir-se um tempo outro, com espaços para a reflexão do espectador sobre o que ele vê. Só essa reflexão é capaz de fazê-lo ver a si mesmo. E esse é, para mim, um dos grandes papéis do cinema.

quinta-feira, abril 16, 2009

O roteiro de Sunset Boulevard

Sunset Boulevard, que no Brasil ficou conhecido com o explicativo nome "O Crepúsculo dos Deuses", foi dirigido pelo mestre Billy Wilder em 1950, e roteirizado por Charles Brackett, Billy Wilder e D.M. Marshman, Jr.. O fim do cinema mudo e o surgimento de um novo cinema é o tema central dessa obra-prima, mas não somente isso.
Ao estudar o roteiro, foi impossível não observar suas diferenças em relação ao roteiro moderno. O primeiro detalhe importante a se considerar é a finalidade de sua escritura: foi escrito para que o próprio diretor o dirigisse, o qual, relembro, também foi um dos roteiristas. Assim, notam-se claras indicações de ângulos e movimentos de câmera, e isso acontece logo na primeira rubrica.
Observa-se também como é diferente seu layout quando comparado aos roteiros atuais. Uma das diferenças está na colocação da voz over, a voz do narrador, e do som em coluna, ao lado das rubricas. O roteiro de Sunset Boulevard se parece, assim, com o roteiro para vídeo institucional ou o de publicidade, feitos em duas colunas, sendo uma descritiva da imagem e outra do som incidental (voz over, trilha sonora, sons).
Porém, fugindo ao esquema das colunas, seus diálogos são centralizados na página.
Seus cabeçalhos também não são estruturados como hoje o fazemos: não há indicações de tempo nem local para a câmera (INT/EXT).
O roteiro está estruturado em grandes seqüências que não parecem ser as seqüências como hoje as conhecemos. Hoje, uma seqüência é um conjunto de cenas que têm a ver com um tema específico: a ida ao médico, ao supermercado, à escola. São seqüências em geral pequenas. Os roteiros modernos, em geral, não são estruturados por seqüências e sim por cenas. Em Sunset Boulevard, ao contrário, as seqüências são bastante grandes e indicadas por letras A, B, C, D, E, cada qual numerada por algarismos que parecem indicar o que a câmera filma, cada tomada. Cada seqüência parece mais ater-se a um dos atos do roteiro, e não propriamente a temas, como hoje se faz. O roteiro, aqui, está dividido em 5 atos: A, a apresentação da trama; B, o protagonista passa a viver no quarto sobre a garagem da mansão de Norma Desmond; C, Gillis passa a viver no quarto do ex-marido de Norma, dentro da mansão; D, Gillis reencontra Betty, começa a querer deixar a vida com Norma, Norma pensa que será atriz novamente (o encontro no estúdio com DeMille); E, final, Gillis se apaixona por Betty, Norma mata Gillis e é presa ou internada.
Assim é mais ou menos a estrutura de Sunset Boulevard, um convite ao estudo do roteiro clássico.

Santiago

Santiago (João Moreira Salles, Brasil, 2007) é um documentário que é uma aula em si mesmo sobre muitas coisas. Está em discussão o papel do documentarista, a metalinguagem, o uso do tempo, o personagem, a extrapolação do tema, a memória, a solidão. Santiago é um filme múltiplo e tudo o que se fale sobre ele será pouco. É preciso vê-lo, revê-lo, dar-se tempo para desfrutá-lo e para a reflexão. Lançado em dvd recentemente juntamente com um livreto que traz o roteiro, além de extras com curtas de João Moreira Salles e video comentado, é material indispensável a todos os amantes de documentário e do cinema.

Mataram a Irmã Dorothy (They killed Sister Dorothy)


Mataram a Irmã Dorothy (Daniel Junge, USA, 2008), é um documentário que impressiona. E comove por revelar cenas insuspeitadas, como a do julgamento dos acusados. No país chamado Pará, o que vale é ter dinheiro, diz ao longo do filme, com outros termos, um dos acusados (pobre, aliás) de matar irmã Dorothy. Como um bom documentário é capaz de fazer, ele nos faz refletir sobre questões centrais à protagonista, como o nível assustador de destruição da floresta e a luta de irmã Dorothy por sua preservação. Consequentemente, sua batalha em defesa dos povos da região. Um documentário preciso e que deixa em cada um o questionamento: por que tão pouco envolvimento institucional nessas questões? Deduzimos as respostas, mas não seria hora de vê-las discutidas com mais frequência e de forma mais profunda, mesmo no cinema?

O Visitante (The Visitor)

O Visitante (Thomas McCarthy, USA, 2008) segue a nova onda de abordagem no cinema da fragilidade das relações entre USA e imigração. O filme é simpático e cabe destaque para a bela e expressiva atriz Hiam Abbass (Lemon Tree e Paradise Now). Mas penso que ele poderia render mais, já que a trama é interessante: um desmotivado professor universitário, viúvo, americano, passa a conviver com um jovem sirio e uma senegalesa, ambos ilegais. Com o rapaz, aprende a tocar tambor e a ter prazer pela vida. Mas não rendeu. O filme é morno.

Milk

Hummm... eu vou contra a corrente dos que disseram que amaram o filme. E justifico o fato de não ter gostado de Milk (Gus Van Sant, 2008). Tenho efetuado estudos sobre os filmes Gerry (2002) , Elephant (2003), Last Days (2005) e Paranoid Park (2007), todos do mesmo diretor, e, por isso, esperava muito mais na tela. Aguardava em Milk que se repetissem quatro técnicas comuns àqueles filmes: elipses, inversões de pontos de vista, planos longos e abertos e o famoso plano pelas costas. Mas eles não vieram. Ao contrário, o que vi na tela me pareceu um tanto comum a outros filmes americanos sobre ativistas pelos direitos civis. Sem novidades. E acima de tudo, pareceu-me um filme americano para americanos, não só pela presença do herói que se sacrifica em prol de um ideal maior, mas também por conter algumas cenas simplesmente incompreensíveis para não-nativos, dadas as intrínsecas referências a acontecimentos muito particulares da história americana.

Curb Your Enthusiasm – A Reinvenção do Sitcom

  Curb Your Enthusiasm é um dos mais brilhantes sitcoms da televisão norte-americana depois de Seinfeld . O criador de ambos, Larry David...